sábado, 15 de maio de 2010

Ventos do Mar: A Abolição da Escravatura em Santos


Recentemente adquiri um livro, através do Ronaldo, da banca de antiguidades, chamado Ventos do Mar.  É de autoria da Dra. Maria Lucia Caira Gitahy, publicado pela Editora Unesp e Prefeitura Municipal de Santos em 1992, trata sobre os trabalhadores do Porto de Santos, Movimento Operário e Cultura Urbana em Santos, entre o final do século XIX e início do século XX. O livro é  resultado de mais de dez anos de pesquisa da autora.

Chamou-me a atenção, entre vários temas, a campanha para a abolição da escravatura na cidade de Santos, e até a lei criada um ano antes da Lei Áurea.
O caso das Senhoras de Santos que impediram o desembarque de um delegado vindo de São Paulo, acompanhado de força policial para prender os escravos fugitivos que chegavam em grande número á cidade, trazendo a família para trabalhar no Porto, e que se concentravam no Jabaquara, que era considerado pelas autoridades provinciais como "escândalo subversivo".


REPÚBLICA

Também as campanhas republicanas na cidade de Santos que provocaram reações negativas do Governo Imperial, indiferente à grave epidemia de febre amarela na cidade, que vitimou milhares de santistas.

Os dois assuntos foram tratados no livro, e aqui um trecho, à título de informação, e que podem ser aprofundados com a leitura do livro, em bibliotecas, e é difícil, porém possível, encontrar um exemplar do livro à venda em algum sebo.

Leia:


TEMPOS DE DEFINIÇÃO: OS ANOS 1880 E 1890

Na conjuntura conturbada dos últimos anos do Império, a cidade foi tomada pelas campanhas republicana e abolicionista, especialmente por esta última. A partir de 1870, após o término da Guerra do Paraguai, o movimento iniciou-se em Santos, acompanhando o conjunto do Estado, mas só durante os anos 1880 é que se ampliou, atingindo toda a população. De fato, os primeiros escravos a serem libertados foram os próprios trabalhadores do Porto. De acordo com José Maria dos Santos, havia em Santos um considerável número de escravos alugados como estivadores, trabalhadores em armazéns e carregadores de café. Após as manumissões, a quantia habitualmente paga aos donos como aluguel passou a ser paga aos próprios ex-escravos como salário. O número de escravos caiu rapidamente e a cidade tornou-se ponto de atração para jovens escravos ousados o suficiente para fugir e, enfrentando os precipícios escorregadios da Serra do Mar, atingir Santos e vir trabalhar no Porto.

Mas, foi só durante a década de 1880 que a campanha abolicionista ampliou-se atingindo toda a população da cidade. Das "damas" santistas que escondiam negros fugidos em seus quintais, pilares que eram das "ilustres" famílias da cidade, até os carroceiros portugueses ao lado dos quais começam a encontrar ocupação remunerada os libertos à força do famoso quilombo do Jabaquara ou do de Vila Mathias, passando pelos jornais locais, a "mocidade entusiasta", comerciantes, empregados da ferrovia, marinheiros, médicos, professores, funcionários e nos últimos anos até mesmo a polícia e a administração local aderiram ao movimento. Criou-se uma imprensa abolicionista, fizeram-se comícios e espetáculos; nas reuniões clandestinas organizavam-se operações  de resgate de escravos ou de refúgio dos mesmos. Santos tornou-se território livre dos abolicionistas. A 27 de fevereiro de 1866, uma lei municipal aboliu a escravatura na área sob sua responsabilidade. Uma sociedade, destinada a "efetivar" a lei, terminou com os últimos escravos do município no mês seguinte. 
É importante notar que a campanha ultrapassou o restrito círculo das "pessoas educadas" e ganhou as ruas. Tanto assim que ocorreram ações populares como, por exemplo, o resgate de dez negros, que haviam chegado a Santos dentro de pipas de vinho (com a conivência dos funcionários da ferrovia) e ficaram escondidos na casa de Geraldo Lemos, um despachante da alfândega: "dois capitães-do-mato, acompanhados de numerosa força policial autorizada até a violência pelo chefe de polícia de São Paulo", conseguiram capturá-los. A fuga foi planejada pelos abolicionistas:

Quando a carroça chegou às proximidades da Estação da Estrada de Ferro, já cerca de 500 populares aguardavam a sua passagem. Surgiu então um motim popular e o cidadão Fontes, distinto santista e excelente capoeira repentinamente derrubou em rasteiras os soldados de captura, enquanto o povo entre brados confundia-se com eles e Geraldo Leite saltava para (...) carroça tocando (...) para junto da água, onde uma embarcação (...) recebia os negros, carregando-os a força de remos para um dos navios franceses (...) que dias depois levava-os.

Quando a campanha atingiu seu pico, os escravos fugitivos que continuavam chegando a Santos em número cada vez maior, tornaram-se um problema. Já não se tratava mais de recolher subscrições ou de conseguir um emprego no cais, agora que mulheres e crianças começavam a chegar também. Foi assim que surgiu o já mencionado refúgio do Jabaquara.

... construiram-se madeira, de palha, de taipa e de folhas de zinco numerosas barracas e habitações ligeiras de todo gênero. Abriram-se caminhos, criou-se um pequeno comércio de varejo e, como por encanto, surgiu da noite para o dia a mais desconchavada e pitoresca das cidades, toda cercada de roças, com o azulado fumaçar dos fornos de carvão vegetal a cobri-la perenemente.

 O Jabaquara foi considerado um "escândalo subversivo" pelas autoridades provinciais. Um trem trouxe de São Paulo, um delegado acompanhado por força numerosa. No entanto, as senhoras de Santos cercaram o trem tão logo este parou na estação, impedindo qualquer pessoa de desembarcar. O delegado, surpreso e embaraçado, tentou sem sucesso negociar. Os trabalhadores da ferrovia, por sua vez, engataram uma locomotiva do lado oposto do trem e enviaram-no de volta à São Paulo. Esta teria sido a última tentativa oficial de acabar com o abolicionismo em Santos.

Com respeito à campanha republicana, o historiador José Maria Bello aponta que a mais radical era a liderada por Silva Jardim, republicano máximo da cidade, que advogava "a ação revolucionária na imprensa e nas ruas". Embora muito popular em Santos, "o mais apaixonado dos republicanos não conseguiu ser eleito" para a Assembleia Constituinte. O fato não chega a surpreender. Silva Jardim concorreu na capital da República onde também militava. Em 1890, só 5,5% da população do Rio de Janeiro votava. As multidões, que aplaudiam nas ruas o ardente tribuno, não podiam votar. Além disso, a própria direção do seu partido o temia. Desiludido com a República, viajou à Europa, onde morreu, perdido entre as lavas do Vesúvio.

Em Santos, durante a campanha republicana, mesmo a tradicional rivalidade entre os bairros do Valongo e dos Quartéis terminou. O mesmo ano viu a epidemia de febre amarela, que coincidiu com o revolvimento do lodo junto ao antigo Porto do Bispo, que teve lugar com as obras do cais. A epidemia durou de março a maio, ceifando mais de 700 vidas.

A população diminuía porque os mais abastados emigravam e os que ficavam iam sendo vitimados. Santos ficou deserta (...) nas ruas, de espaço a espaço ardiam barricas de alcatrão (...) desprendendo colunas de fumo negro.


A indiferença do Governo Imperial com a situação da cidade republicana foi um dos fatores apontados por Francisco Martins dos Santos par a radicalização da campanha na cidade. Enquanto o Governo Provincial não fez mais do que enviar um conto de réis como donativo, devolvido com indignação  pela Câmara Municipal, os membros do Partido Republicano santista organizava o combate à peste com os recursos da própria cidade. De acordo com o depoimento de uma testemunha:

Vieram do Rio algumas irmãs de caridade, que se internaram numa dependência do Convento do Carmo e no Mosteiro de São Bento, transformado em hospital. O teatro Rink era hospital; a Benificência Portuguesa abriu suas portas às vítimas da febre amarela; as redações dos jornais transformaram-se em postos de informações e mesmo em postos médicos, para acudir a qualquer chamado.

A atitude solidária do jornal A Província de São Paulo, na ocasião, veio, mais tarde, a cindir o Partido Republicano santista entre a candidatura de Júlio de Mesquita e a oficial do partido, de Bernardino de Campos. Estas duas facções, depois da Proclamação da República, agrupadas respectivamente no Centro Republicano e Clube Nacional, marcaram a política local. 

Este é um trecho do livro que também trata do movimento operário no porto de Santos, com muitas informações históricas. 
Sobre o texto acima, vale mencionar:

- A Estação da Estrada de Ferro refere-se à Estação da São Paulo Railway, no Valongo,  que fica bem próximo ao porto. A São Paulo Railway transformou-sem em Estrada de Ferro Santos Jundiaí. Atualmente, apesar do prédio da estação estar preservado, não há mais o uso como estação ferroviária.

- O Quilombo do Jabaquara existiu entre 1881 e 1898, no atual bairro do Jabaquara em Santos, na região atrás da atual Santa Casa de Santos se estendendo até próximo ao Túnel Rubens Ferreira Martins.

- A Província de São Paulo era o nome do atual jornal O Estado de São Paulo, o estadão.

- A banca do Ronaldo, citada no primeiro parágrafo e de quem adquiri o livro foi tratada aqui no blog, veja em: http://pechini.blogspot.com/2010/03/banca-de-antiguidades-do-ronaldo-no.html

- No Google, é possível encontrar referências sobre o livro "Ventos do Mar - Trabalhadores do Porto, Movimento Operário e Cultura Urbana em Santos, 1889-1914"  e também possível aquisição de exemplares. Pesquise aqui ou na caixa no campo de pesquisa nesta página.

- No jornal eletrônico Novo Milênio, do jornalista Carlos Pimentel Mendes, você pode se aprofundar à respeito do Quilombo do Jabaquara: http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0222l.htm

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